Estação elevatória de esgoto começa a ser construída no Abaeté com reprovação da comunidade

Escute e compartilhe esse conteúdo com amigos:
Foto: Hamilton Souza

Apesar da paralisação de grande parte das atividades da cidade, devido ao isolamento social por conta da pandemia do coronavírus, o governo do estado iniciou a construção de uma estação elevatória de esgoto a poucos metros da Lagoa do Abaeté. Apesar da intervenção ser realizada na Área de Preservação Ambiental Lagoas e Dunas do Abaeté, sua execução foi autorizada pelo INEMA, órgão fiscalizador do estado.

Nos últimos dias, a comunidade compartilhou indignada nos grupos de whatsapp e nas redes sociais, fotos e vídeos que registram capinação, corte de árvores e demarcação da área. Há relatos de que, ao cavar buracos, os trabalhadores teriam visto água brotar, evidência do ciclo das últimas chuvas que encheram os lençóis freáticos da região.

Segundo o projeto da CONDER/EMBASA, a estação elevatória será implantada entre a Casa da Música, espaço cultural de grande visitação e atividades, e a Lagoa do Abaeté, local sagrado para os habitantes do bairro, que realizam aulas, encontros culturais e ações comunitárias de conexão com a ancestralidade, junto às árvores que existem ao redor.

O lugar faz parte da APA (Área de Proteção Ambiental) – Lagoas e Dunas do Abaeté e é considerada ZPV – Zona de Proteção Visual, onde não se admite qualquer tipo de construção, muito menos uma estação de esgoto, como consta na resolução n. 3023 de 20 de setembro de 2002 do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEPRAM.

Na última reunião do Conselho Gestor da APA com os representantes da CONDER/EMBASA, realizada em fevereiro deste ano, ficou acordado que haveria um novo encontro para prosseguir com a discussão do projeto da estação elevatória, o que não pôde ocorrer por causa da pandemia. A comunidade elaborou uma proposta alternativa, que altera tanto o local de implantação da estação elevatória como a tecnologia a ser utilizada. No entanto, essa proposta ainda não foi devidamente considerada.

HISTÓRICO

Em outubro de 2019,  coletivos e agentes culturais que atuam na Casa da Música começaram a notar a presença da CONDER na área e descobriram “por acaso” que a obra estava sendo engatilhada. Mobilizaram a comunidade e fizeram um abaixo assinado que resultou em 2.933 assinaturas virtuais e 300 assinaturas físicas, exigindo uma audiência pública para mais esclarecimentos sobre o projeto.

Em fevereiro de 2020, o Conselho Gestor da APA – Lagoas e Dunas do Abaeté convocou a comunidade para uma reunião de apresentação do projeto da estação elevatória por representantes da CONDER/ EMBASA. Na ocasião, foi explicado como funcionam as atuais fossas sépticas que estão instaladas na área urbanizada do Parque Metropolitano do Abaeté, um método arcaico, que pode estar percolando e contaminando a lagoa.
 Foi argumentado, portanto, que a estação elevatória de esgoto resolveria tal problema e atenderia os equipamentos existentes. Sobre o critério de localização, os representantes da CONDER justificaram em termos técnicos, o fato de ser este local o ponto mais baixo da área.

A comunidade questionou os mecanismos de segurança para que tal estação elevatória não venha a extravasar em caso de pane e problematizou a possibilidade de extravasamento, cobrando instruções de como proceder em tal caso. Por conta de o projeto ser antigo, elaborado em 2004/2008, ficou acertado que haveria novas conversas. No entanto, CONDER e EMBASA relataram sobre a  dificuldade de mudar, tendo em vista o curto prazo para execução da obra, financiada com recursos do PAC.

Em março de 2020, uma nova reunião foi realizada no INEMA com um grupo de trabalho selecionado para entender melhor o projeto da estação elevatória e levá-lo adiante junto ao Conselho e a comunidade. A Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CTPPP) do Conselho Gestor da APA Lagoas e Dunas do Abaeté apresentou sugestões alternativas, como a construção de um tanque “wetland”, solução ecológica de tratamento de efluentes consagrada em várias partes do mundo, porém ainda pouco explorada no Brasil. O tanque “wetland” tem baixo custo de construção e manutenção e se integra ao tratamento paisagístico que se faz necessário, garantindo que, em caso de extravasamento da elevatória, o esgoto sem tratamento não atinja o ambiente, como acontece desastrosamente com várias estações elevatórias da cidade, a exemplo das elevatórias das praias da Paciência, Farol da Barra, Ondina, Pituba, Centro de convenções e Itapuã.

Para redução do impacto ambiental, foi sugerido um novo local para instalação da elevatória, que aproveita um espaço desativado ao lado do estacionamento e encurta a construção do acesso, causando menos impacto do que o projeto atual, que permitiria a entrada de caminhões na APA. Neste platô sugerido, a construção seria subterrânea, permitindo adicionar sobre o platô outro equipamento, como um mirante ou pequeno coreto, agregando valor de uso artístico e cultural, além de constituir mais um ponto de visitação e vivência do patrimônio ambiental e cultural que são objetos desta UC (unidade de conservação), especialmente no referido zoneamento.

Um projeto adequadamente construído serviria como exemplo para toda a cidade, tornando-se referência ecológica de como devem ser tratados o esgoto e o ambiente, pelos governos e pela população. Qualquer relocação da área destinada à construção da elevatória demandará novos estudos construtivos, adequando-se a topografia existente e ao Zoneamento da APA.

Nesta reunião no INEMA, foram apresentadas por parte dos órgãos envolvidos, algumas plantas incompletas (sem cotas ou outras informações técnicas essenciais) observando-se que os próprios representantes da CONDER e da EMBASA não dominavam suficientemente o projeto, feito pela empresa Sanjuan Engenharia. Não tinham dados técnicos e não sabiam informar sobre os custos da obra. Na ocasião, entendemos ainda, que as 3 fossas que são usadas atualmente no Abaeté não apresentam risco de pergolar liberando esgoto no ambiente, pois não têm sumidouro e semanalmente são esvaziadas por caminhões limpa-fossa a serviço do Estado. De fato, não há evidências de extravasamento dessas fossas, o que descarta a urgência da obra.

Diante disso, em maio de 2020, a Câmara Técnica do Conselho Gestor da APA e o FPI – Fórum Permanente de Itapuã (que representa vários coletivos da comunidade) encaminharam uma “Notícia de Fato” `a
CEAMA – Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de Salvador, informando a aprovação da obra pelo INEMA, irregularidades do processo e as seguintes demandas:

  • Mudança de localização;
  • Adequação do projeto à paisagem local;
  • Implementação de filtro modelo “weltland” (de modo que a estação elevatória sirva como um modelo pedagógico de saneamento sustentável para comunidade de Salvador);
  • Aproveitamento do equipamento como espaço de observação, educação, arte e cultura.

Atualmente, o procedimento encontra-se na 5ª PJMA, cuja titular é Dra. Ana Luzia Santana. Uma outra “Notícia de Fato” com o mesmo teor foi protocolada no MPE em 30 de março do corrente ano, por outro coletivo de moradores locais. Juntos, esses e outros coletivos da região, associações, terreiros e escolas estão elaborando o III Ato em Defesa do Abaeté, que acontecerá no mês de junho, na semana do Meio Ambiente, de maneira virtual. Será uma oportunidade de dialogar com a sociedade civil sobre o ativismo socioambiental que buscamos desenvolver, diante dos abusos, autoritarismos e arbitrariedades que temos presenciado contra o meio-ambiente, sistematicamente.

Clara Domingas
Fórum Permanente de Itapuã

Escute e compartilhe esse conteúdo com amigos:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *