Por Ícaro Lima, estudante de jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) @oicarolima / contatoicarolima@gmail.com
Parou o baba
Já faz mais de dois anos que os moradores do bairro de Itapuã estão sem acesso a um local que proporcionava atividades de lazer e perspectivas de futuro profissional para jovens da região. O terreno onde antes funcionava o Centro Esportivo Armindo Biriba, conhecido como “Campo da Ilha” (em uma referência ao local em que se localiza, na Rua da Ilha), atendia cerca de 300 pessoas que participavam de aulas de futebol, vôlei, basquete, karatê, judô, jiu-jitsu entre outras modalidades.
Hoje, o que se vê é uma obra que se arrasta através de diversas promessas de entrega não cumpridas depois que a prefeitura de Salvador iniciou, no mesmo local, o processo de construção do primeiro Centro de Iniciação ao Esporte (CIE) da cidade. Porém, entre mudanças de construtoras e alterações nas previsões de término, até hoje o centro não foi inaugurado.
A obra
Com construção iniciada em março de 2017, o CIE estava previsto para ser inaugurado após seis meses, em dezembro do mesmo ano. O projeto original previa uma arquibancada para quase 200 pessoas, área de apoio, sala de professores e técnicos, chuveiros, vestiários, enfermaria, academia, depósito, copa e sanitários. A obra teve um orçamento inicial de quase R$ 3 milhões, dividido entre o Ministério do Esporte e a Prefeitura Municipal de Salvador, e é fruto da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2), do Governo Federal. Seria o primeiro centro desse tipo em Salvador, e um segundo seria construído em São Marcos, que, apesar de estar mais avançado que o de Itapuã, também não foi inaugurado até o momento.
Quem passa em frente a local pode perceber que na placa em que consta dados da obra, mais precisamente no campo em que mostra previsão de entrega, há um adesivo colocado no campo da previsão de entrega, sinalizando a alteração feita, e que incomoda os moradores da região.
Promessas e mais promessas
Os relatos de quem vive ali é que o equipamento era importante para o aspecto social do local, em alguns casos, sendo o primeiro passo para ajudar jovens de baixa renda a se tornarem um atleta profissional. Após o início das obras, em 2017, a expectativa dos moradores era de que o Campo da Ilha se tornasse, em poucos meses, um centro esportivo mais moderno. Mas esse compromisso não foi cumprido pela prefeitura.
Uma das pessoas que mais escutou essas promessas em relação à entrega do novo equipamento é também um dos que mais “fiscalizam” a obra. Gustavo Lustosa, 13 anos, mora perto da Rua da Ilha e jogava futebol em um projeto que funcionava no antigo campo. Ele conta que desde quando iniciou a reforma, passa regularmente em frente ao local e olha pela fresta do portão de acesso principal para descobrir se houve algum avanço na construção.
“A gente treinava aí há muito tempo, eu e meus amigos. Eu lembro no dia que ACM Neto [prefeito de Salvador] veio aqui falar que iria ter uma reforma. Aí depois de uns dias teve que acabar o projeto, por causa da construção, teve que mudar para o Cassas [clube social que pertence à Aeronáutica]. A gente foi esperando, esperando, esperando e ficou um tempão a obra parada. A gente, quando passava, botava a cara ali [no portão] para ver se estava construído e só ficava nisso daí”, conta o garoto.
“A gente, quando passava, botava a cara para ver se estava construído e só ficava nisso daí”
Gustavo, vizinho da obra
Gustavo conta que o atraso em concluir a obra o fez mudar de escolinha: “Minha tia disse que ia tentar falar com o governo, entrar em contato com ACM Neto para falar que não adiantou de nada dizer que ia construir e estar até hoje atrasada. Depois desse dia, ficou um tempão, quase dois anos, aí eu falei com o meu avô e disse: ‘Olha, meu avô, eu quero que o senhor me bote em outra escolinha porque se eu depender disso daí eu vou perder meu tempo’, relembra.
Quem também sente bastante essa falta é o professor Jonatã de Jesus, 34, que dava aulas de capoeira, boxe, jiu-jitsu e taekwondo no antigo Campo da Ilha. Hoje vivendo na Itália após o fim do projeto, ele atendia diversos alunos, entre os quais muitos deles seguiram na carreira esportiva, o que rendeu para a academia diversas participações e títulos em competições, nacionais e internacionais.
Jonatã conta que o projeto recebia jovens e crianças de baixa renda, geralmente com uma frágil estrutura familiar, e dava uma chance de poderem se transformar em competidores profissionais ou seria como uma atividade ocupacional saudável durante a semana.
“Esse era o meu papel e de alguns amigos e professores, que tentavam, de alguma forma, dar alguma coisa a essas pessoas. Dedicar nosso tempo não foi o suficiente, arrancaram de todos um lugar onde o esporte predominava, onde descobríamos novos talentos e onde pessoas podiam ter o seu lazer, que era o verdadeiro objetivo do centro esportivo”, lamenta.
“Dedicar nosso tempo não foi suficiente, arrancaram o lugar onde descobríamos novos talentos e as pessoas podiam ter o seu lazer”
Jonatã de Jesus, ex-professor do espaço
Sem conseguir acreditar em mais uma data de previsão dada pela prefeitura junto com a construtora, Jonatã não fica totalmente esperançoso que ainda no fim deste ano, último prazo divulgado, o centro esportivo volte a atender os jovens da região. “Agora pense, na cabeça da gente, mestres e professores, ver toda essa estrutura estar em meios a ruínas e promessas, sem previsão de volta”, completa.
O que diz a prefeitura
No início do ano passado, o então titular da Secretaria Municipal de Trabalho, Esportes e Lazer (Semtel), Geraldo Júnior, justificou o atraso, em entrevista ao site Bahia Notícias, alegando um impasse entre a prefeitura e a empresa responsável pela obra, resultado de “algumas adequações contratuais e reajustes de preço”.
Geraldo também afirmou que a previsão inicial de entrega, que seria setembro de 2017, foi um “erro da assessoria” e que a estimativa correta para o centro ficar pronto era abril de 2018.
Nenhum desses prazos foi cumprido e Geraldo Júnior, agora presidente da Câmara Municipal de Salvador, nem é mais o responsável pela secretaria, que foi para as mãos de Alberto Magalhães Pimentel Júnior, no fim do ano passado. Atualmente, a nova data de entrega do Centro de Iniciação ao Esporte de Itapuã é 31 de dezembro deste ano. Resta saber se essa data será, finalmente, cumprida.
A equipe do Jornal da Facom questionou à Semtel sobre a confirmação novo prazo de entrega, estágio da obra, realocação dos projetos sociais que atuavam no local e outros motivos do atraso, mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria.
PRORROGAÇÕES:
Abr/2017 – Início das obras
Dez/2017 – 1ª previsão de entrega
Abr/2018 – 2ª previsão de entrega
Jul/2019 – 3ª previsão de entrega
Dez/2019 – Última previsão divulgada
*Reportagem publicada originalmente no Jornal da Facom, projeto laboratorial da Faculdade de Comunicação da UFBA (Facom/UFBA). A edição completa pode ser lida clicando aqui (https://issuu.com/jornal_da_facom/docs/jornal_da_facom_2019.2).