Menstruação ainda é um tabu no país onde cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de quatro milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Os dados são do relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), lançado no fim de maio.
De olho na importância de se falar sobre o tema e dos cuidados íntimos da mulher de forma aberta e respeitosa, três empreendedoras de Itapuã criaram o projeto Akuaba – Resgatando Práticas e Memórias Antigas, voltado exclusivamente para mulheres do bairro.
Os primeiros encontros coordenados pelas criadoras Júlia Morais, 25, Alana Santana, 32, e Laura Daltro, 27, ocorreram online, entre os dias 24 e 25 de abril, e reuniram 60 mulheres.
Para Júlia, criadora da empresa Flor de Maio, doula, terapeuta em ginecologia natural e cineasta, a iniciativa foi uma forma de
fortalecer a comunidade onde nasceu e foi criada. “Itapuã é um cenário muito identitário, sentia falta de falar sobre isso para a minha comunidade”.
Segundo ela, o projeto não tem a função de ensinar, mas sim de resgatar experiências que muitas vezes se perdem entre as gerações. Além disso, se conecta com Itapuã, que carrega em sua história gerações de benzedeiras, ganhadeiras e conhecimentos populares.
As reuniões proporcionaram trocas de saberes ancestrais entre mulheres de diferentes gerações sobre temas como ciclo menstrual, chás, beberagens, garrafadas e óleos utilizados nos cuidados femininos. “O objetivo das oficinas é resgatar memórias, trazer os conhecimentos mais atuais e integrá-los aos conhecimentos antigos”, afirma Júlia.
Ela ressalta o exemplo dado sobre formas de lidar com cólicas, sobre o feitio das garrafadas medicinais e os cuidados com o corpo através da saboaria natural.
O nome Akuaba se refere às bonecas ou estátuas da fertilidade do povo Ashanti, que viveu em um período pré-colonial onde hoje é Gana, país da África Ocidental. A palavra está ligada ao mito de Akua, mulher que era infértil e conseguiu engravidar ao receber uma boneca de madeira de um dos sacerdotes de seu povo.
Laura Daltro, doula, aromaterapeuta e terapeuta em ginecologia natural, afirma que a primeira oficina virtual foi um espaço também para sanar dúvidas sobre a saúde íntima e menstrual. Além disso, 30 das participantes receberam um kit com absorventes ecológicos, óleos, hidratantes e sabonetes para o autocuidado.
“Elas acessaram o conteúdo de forma mais profunda, abrindo um leque de possibilidades para descobrirem e destrincharem seus ciclos menstruais”, diz Laura.
Experiências
O projeto Akuaba foi aprovado no Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedoras Negras, pelo fundo Baobá, possibilitando a gratuidade total da oficina. No futuro, as criadoras pretendem realizar novas edições virtuais e presenciais, assim que possível.
Para Aline Nascimento, 39, mestranda em geografia que participou dos encontros com a namorada, foi um momento de grandes aprendizados e descobertas.
“Uma das coisas mais marcantes para mim foram as conversas e receitas das garrafadas para limpeza uterina e cólicas. Só de ouvir uma mulher mais velha falando: ‘Olha, o que eu vou ensinar pra vocês aqui é uma garrafada da minha família’, já é um baque!”, relembra.
A importância de falar sobre a saúde feminina vai da menarca (primeira menstruação) à menopausa. Alana Santana, que trabalha com relações públicas e empreende com sua marca de cosméticos naturais Pedra da Lua, comenta os resultados desse encontro. “Algumas mais velhas tinham dúvidas com a menopausa. Foi interessante essa troca entre mulheres que estão encerrando e iniciando seus ciclos menstruais”.
Além do projeto, as coordenadoras mantêm os diálogos sobre a saúde íntima por meio de consultorias e dos produtos naturais que desenvolvem para saúde e bem-estar feminino.
Fonte: A Tarde